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Dossiê 2022.1

A MELANCOLIA NA HISTÓRIA

Pensando o fenômeno em perspectiva global

 Maria Daniela Bastos[1]

Sergio Schargel[2]

É vasto o amonte teórico-literário que tenta alcançar o âmago daquilo que se conhece como pelo nome de melancolia, palavra derivada do grego μελαγχολία e que designa uma tristeza vaga, funda e atuante. Ao longo das idades, muitas foram as tentativas de cerzir aquilo que a diferenciava dos outros humores corporais e, assim, muitas especulações e saberes foram elaborados. Foi vista como desequilíbrio entre as substâncias dos quatro humores; como a ausência de Deus; como traço de genialidade; e, a partir da revolução copernicana que Freud (2013) realiza, como uma relação de tanatofilia que surge em decorrência da perda de um objeto libidinal não identificado. Enzo Traverso (2018) expande as ideias de Freud (2013) e as aplica à política, denominando de melancolia de esquerda duas manifestações distintas, uma ativa, a dialética da derrota, e uma passiva, a perda do futuro idealizado. Para Traverso, o polissêmico campo que se compreende por esquerda, de comunistas a sociais-democratas, sempre manifestou uma melancolia intrínseca, não apenas pelas sequenciais e diversas derrotas políticas, mas, tanto mais, pelo esvaziamento do presente em prol de um futuro idealizado.

A proposta desse dossiê é explorar as relações as relações entre luto, melancolia, história e memória, em uma perspectiva global, isto é, que privilegiem relações transculturais, comparativas, transnacionais e/ou interdisciplinares. Desta forma, a intenção é privilegiar propostas que explorem a melancolia como condição que ultrapassa barreiras de tempo e espaço – em verdade, sua fons et orig ganha novos contornos e contrastes dado a modulação que a cultura imprime na subjetividade de cada época. Assim, se tornará possível enriquecer o estado da arte em diversas frentes com visões heterogêneas, bem como contribuir para os estudos globais a partir da ótica de um fenômeno milenar.

Submissões podem ser voltadas para, mas não limitadas, aos seguintes eixos temáticos:

I) A literatura e a arte da melancolia: como manifestações artísticas absorvem a dor, a memória, a ausência de sentido e a transformam em potência criativa? (Ex.: visões comparativas entre a literatura de Paul Celan e Primo Levi).

II) A relação da história com o luto e a melancolia (ex. a visão da antiguidade, a visão medievalista, a visão da psicanálise).

III) A melancolia na teoria política (ex.: Melancolia de esquerda, obra de Enzo Traverso; o trabalho da psicanalista Maria Rita Kehl sobre melancolia, ressentimento e fascismo).

IV) Pós-memória e melancolia (ex.: pós-memória na terceira geração de sobreviventes do Holocausto).

V) A melancolia na linguística (ex.: como o conceito se transpõe entre os idiomas).

A proposta se derivou a partir de um diálogo interdisciplinar entre as pesquisas dos proponentes.

[1] Mestranda em Letras pela UFJF. Sua pesquisa e produção acadêmica refletem acerca das diversas manifestações da morte em vida, seja aquela de ordem psicológica e/ou simbólica na estrutura interna da obra de Pedro Nava. E-mail: mariadanielabelfort@outlook.com.

[2] Doutorando em Letras pela USP, doutorando em Comunicação pela UERJ, doutorando em Ciência Política pela UFF. Mestre em Letras pela PUC-Rio, mestrando em Ciência Política pela UNIRIO. Sua pesquisa e produção artística são focadas na relação entre literatura e política, tangenciando temas como teoria política, literatura política, pós-memória, antissemitismo e a obra de Sylvia Serafim Thibau. E-mail: sergioschargel_maia@hotmail.com.


MELANCHOLY IN HISTORY

Thinking the phenomenon in a global perspective


Maria Daniela Bastos[1]

Sergio Schargel[2]

There is a vast theoretical and literary scope that tries to reach the heart of what is known as melancholy, a word derived from the Greek μελαγχολία and that designates a vague, deep and active sadness. Throughout the ages, there have been many attempts to understand what set it apart from other bodily moods. It was seen as an imbalance between the substances of the four moods; as the absence of God; as a trait of artistic geniality; and, after the Copernican  revolution that Freud (2013) created, as a thanatophilic feeling that arises as a result of the loss of an unidentified libidinal object. Enzo Traverso (2018) expands Freud’s ideas (2013) and applies them to politics, calling two different manifestations of left melancholy, one active, the dialectic of defeat, and one passive, the loss of the idealized future. For Traverso, the polysemic field that is understood as the left, from communists to social democrats, has always manifested an intrinsic melancholy, not only due to the sequential and diverse political defeats, but, even more, by the emptying of the present in favor of an idealized future.

The purpose of this dossier is to explore the relationships between mourning, melancholy, history and memory, in a global perspective, that is, that privilege transcultural, comparative, transnational and/or interdisciplinary relationships. In this way, the intention is to embrace proposals that explore melancholy as a condition that transcends time and space barriers – in fact, its fons et orig gains new contours and contrasts given the modulation that culture imprints on the subjectivity of each era. Thus, it will become possible to enrich the state of the art on several fronts with heterogeneous views, as well as to contribute to global studies from the perspective of an ancient phenomenon.

We are looking for submissions that discuss, among other possibilities, the following thematic axes:

I) Literature and the art of melancholy: how do artistic manifestations absorb pain, memory, meaninglessness and transform it into creative power? (Eg.: comparative views between the literature of Paul Celan and Primo Levi).

II) The relationship between history, mourning and melancholy (eg the view of antiquity, the medievalist view, the view of psychoanalysis).

III) Melancholy in political theory (eg. Left-wing melancholy, book by Enzo Traverso; the work of psychoanalyst Maria Rita Kehl on melancholy, resentment and fascism).

IV) Post-memory and melancholy (eg, post-memory in the third generation of Holocaust survivors).

V) Melancholy in linguistics (eg, how the concept transposes the barriers between languages).

The proposal was derived from an interdisciplinary dialogue between the researches of the proponents.

[1] Mestranda em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

[2] Doutorando em Letras pela USP, doutorando em Comunicação pela UERJ, doutorando em Ciência Política pela UFF. Mestre em Letras pela PUC-Rio, mestrando em Ciência Política pela UNIRIO.